sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Solidão


(Paula Gabriela Laini Gonçalves Martins)

Solidão é lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cravada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão
Camélia ficou viúva, Joana se apaixonou
Maria tentou a morte, por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Quando vem a madrugada, meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola, contemplando a lua cheia

Apesar de tudo existe, uma fonte de água pura

Quem beber daquela água não terá mais amargura.


Muitas vezes sinto dificuldade de estar a só comigo mesma. Não consigo viver intensamente minha própria vida. Mas percebo isso acontecendo quando algum fato me faz sentir angústia ou medo da solidão, quando a desilusão chega para colocar barreiras entre a solidão e a independência pessoal, fazendo acreditar até mesmo que o brilho e o encantamento da vida se encontram no outro e não em mim mesma. E sei que esse fato é comum a muitas pessoas, que nós nos esquecemos em vários momentos dolorosos que a vida tem um encantamento, um brilho, algo de especial porque é nossa, apenas nossa. Cada um de nós pode ser uma pessoa especial para si mesmo.
E foi nessa música de Marisa Monte que encontrei as palavras que mais me fizeram refletir sobre o que realmente sinto diante dessa versão da solidão. Dessa versão de solidão!? É isso mesmo! Porque a solidão pode ser vivenciada de várias maneiras, dependendo das pessoas e dos momentos ou situações, dependendo dos fatos.
Mas voltando à musica, é nítida também a esperança traduzida pelas palavras “Apesar de tudo existe, uma fonte de água pura, Quem beber daquela água não terá mais amargura”, e que eu gostaria de expressar, apesar do pessimismo que essa visão de solidão traz.
Enfim, a solidão é própria de cada ser humano e de cada momento, mas é sempre vivida e sentida a flor da pele, é intensa e escancarada, mas não para os outros e sim para nós mesmos.

A minha solidão é sempre intensa e escancarada para mim mesma.

Meu Deus, me dê a coragem
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Dê-me a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar.


Solidão – (Clarice Lispector)
Minha força está na solidão
Não tenho medo nem das chuvas tempestivas,
nem das grandes ventanias soltas,
pois eu também sou o escuro da noite.

Existem momentos em que sinto a solidão incorporada a mim mesma e neles a solução não é encontrar uma pessoa ou uma atividade para preencher o vazio existencial, porque não há vazio, meu ser está preenchido pela solidão, e dessa maneira não a encaro como negativa. A solução não é se concentrar em algo para não se sentir sozinho, também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão. A solução é aceitar que se está só, simplesmente isso. E sabendo-se só, viver a própria vida, respeitar a própria vontade, expressar os próprios sentimentos, buscar a realização dos próprios desejos. Quando faço isso, a vida se enche de significado, de um brilho especial, para mim.
Não preciso fingir que a solidão não existe ou procurar a companhia dos outros para que ela realmente não exista, porque mesmo junto com os outros, posso ser solitária. A solidão não é externa a nós, é interna; eu sinto, eu penso solitariamente, eu existo solitária, eu sou solitária. Esses momentos em que me sinto fazendo companhia a mim mesma, conversando e reagindo comigo mesma, são necessários, belos e satisfatórios. Sinto que o que me ocorre de melhor é quando estou só e infiltrada em minha própria solidão, não por achar que somente o ‘ser eu’ me basta, mas por ter a oportunidade assim de ouvir e saber dos desejos que vêm do fundo da alma. É essa a realização pessoal, a prova de que a tendência a estar só remete à minha independência e liberdade como ser humano, de tal forma que isso se torna essencial e incutido em meu próprio ser.
A solidão encarada por esse ângulo torna-se completamente positiva e afirmativa da existência, ela assim é parte integrante dos grandes momentos realmente íntimos de uma vida, é sentida como uma mistura de orgulho e felicidade por mostrar-me o poder e a importância que a minha essência tem para mim mesma.
Nas palavras de Clarisse Lispector, encontrei uma forma clara de expressar minha maneira individual pela qual encaro a solidão em certas situações, a maioria das vezes por sinal. Quando ela diz “eu também sou o escuro da noite”, é como se eu quisesse roubar essa expressão para mim, porque é assim que me sinto também.
Quando digo que sinto a solidão como uma mistura de orgulho e felicidade, é exatamente o que Clarice Lispector mostra em “faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar”; pois se estou enfrentando a solidão, aquela que se incorpora a mim, estou tendo a coragem de me ‘suportar’ da maneira mais sutil possível, e isso traz orgulho ao ser, é quase um estado de êxtase.

Quando a solidão não é sofrida e sim natural, traz consigo a maneira suprema de mostrar a mim mesma quem realmente sou e o que realmente tenho. Quando a solidão é sofrida, traz um aprendizado doloroso, a descoberta das fraquezas, a insegurança da carência e o medo de conhecer-me.

E é então com o trecho de uma entrevista de Chico Buarque que quero finalizar o que me propus a dizer sobre solidão, porque foi nele que realmente consegui encontrar meus pensamentos praticamente traduzidos. Porque a real solidão é nossa, não vem dos outros ou das circunstâncias, nasce e existe em nós, em mim.


“Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo…

Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar…

Isto é saudade!

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos… Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente…

Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado…

Isto é circunstância!

Solidão é muito mais do que isto…

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma”
(Chico Buarque)

Nossa cegueira

( DANIELLE MUNDIM DE OLIVEIRA)
“Ensaio sobre a cegueira” é uma obra fascinante escrita pelo autor português José Saramago. Resumidamente, descreveremos sobre o romance escrito por ele. Em uma tranqüila cidade, quando tudo parecia transcorrer bem, de repente, um homem fica cego dentro de seu próprio carro diante de um semáforo. A partir disto, essa cegueira súbita ou “treva branca” começou a espalhar pela cidade. Alertado por um médico oftalmologista, as autoridades sanitárias do governo tomaram providencias para segregarem os sujeitos contaminados em um antigo manicômio desativado sob a custódia de soldados do exército. Cerceados naquele lugar os cegos ficaram reduzidos a condições subumanas de sobrevivência, em meio a péssimas condições de higiene, pessoas mortas e principalmente, quando um grupo de cegos começou a estocar os alimentos destinados aos internos e passaram a comercializá-los na base de troca. Logo, o homem percebe as angustias que o afligem limitadas às necessidades de sobrevivência. A partir de então, a “mulher do médico”, única personagem que não tinha perdido a visão, tomou a iniciativa de matar o líder desse grupo e posteriormente, ateou fogo aos demais membros desse bando provocando a morte deles e um incêndio no prédio. Quando a “mulher do médico” saiu para pedir ajuda aos soldados para apagar o fogo, percebeu que não mais estavam sobre a vigilância desses e mesmo com muito medo avisou aos outros cegos que estavam livres. Então, os cegos conquistaram a liberdade dessas condições degradantes as que estavam submetidos. Ao retornarem a cidade, a “mulher do médico” percebeu que o mundo externo não estava muito diferente do que eles viviam. Havia lixo espalhado por toda parte, pessoas vagando pelas ruas, pessoas mortas, pessoas habitando casas que não eram suas, enfim, o que se via era o mesmo caos vivenciados por eles no local que estavam confinados. Após passarem em algumas casas dos indivíduos que compunham a caravana que era guiada pela “mulher do médico”, esses permaneceram no apartamento do casal até que um dia todos voltaram a enxergar. Podemos dizer que a partir desse instante o grupo recuperou a lucidez, resgatou-se novamente o afeto e o mais importante de tudo é que reconquistaram a condição de seres humanos, uma vez que, estavam quase transformados em animais. O que podemos constatar é que os seres humanos precisaram chegar a essa situação degradante para conhecerem a sua essência e refletirem sobre qual seria seu papel no mundo e na sua própria existência. Saramago instiga o leitor acerca da diferença sutil entre as maneiras de olhar e de ver. O olhar com o significado de percepção visual, uma decorrência física do sentido humano da visão. O ver como uma probabilidade de observação crítica através da apreciação daquilo que nos aparece advindo do exterior.
A maneira como o autor descreve os cegos nos permite perceber uma destituição de identidade, uma vez que, as pessoas em momento algum possuíam nomes próprios que as identificassem. O reconhecimento de cada um deles se dava da seguinte maneira, o “rapazinho estrábico”, a “rapariga de óculos escuros”, o “primeiro cego”, a “mulher do primeiro cego”, o médico, a “mulher do médico”, a “secretária do médico”, muito embora fosse termos generalistas continham algo particular de cada um, ou seja, algo singular de cada um deles. Mediante o que foi exposto acima percebemos que essa supressão de identidade traz em si a necessidade do homem de conhecer a si e ao outro com quem ele se relaciona. A possibilidade de descobrirem quem realmente são, é mais angustiante do que a cegueira em si porque a pessoa terá que reconhecer a sua condição de (des) humana. Mas, também não podemos ser ingênuos a ponto de pensarmos que iremos nos conhecer totalmente, uma vez que o homem vela e se revela o tempo todo. Nós só teremos a compreensão daquilo que nos é possível entender. Sob o enfoque do existencialismo, em que o homem é um eterno vir-a-ser, pois está sempre mudando, fluindo e transformando é que compreendemos por meio dessa desconstrução e construção que ele aprende a se responsabilizar pela sua própria existência. No local em que os cegos estavam sectarizados não era muito diferente porque além de cada indivíduo ter a responsabilidade sobre a própria trajetória existencial também havia essa preocupação com o outro, uma vez que, conviver em comunidade o peso da responsabilidade é maior do que viver sozinho.
Enfim, deixo a minha sugestão de leitura dessa obra magnífica para que o leitor sinta-se convidado a refletir sobre o seu papel e suas responsabilidades no mundo e na própria existência, bem como para voltar-se mais para si mesmo.

Bibliografia
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo, Cia. das Letras, 1995.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Análise de "A Náusea", de Jean Paul Sartre

Introdução

Em “A Náusea”, Sartre nos mostra Antoine Roquentin, um historiador letrado e viajado, que chega à cidade de Bouville (“boul” indicando “lama” e metaforicamente “impureza”) a fim de escrever a biografia do marquês de Rollebon, figura pitoresca e de excentricidade fascinante, que vivera na cidade durante o século XVIII. Ao iniciar seus trabalhos, logo se desencanta de forma irreversível não só pela biografia, como também pela própria sociedade e condições humanas com as quais se depara em Bouville. Roquentin é, então, acometido por uma (a priori) estranha sensação de aversão ao ser humano e sua condição existencial – a “náusea”. Cercada de um niilismo exacerbado e elucubrações de alta profundidade intelectual, “A Náusea” nos mostra um protagonista despadronizado e repelido pelas próprias contestações que faz a respeito da existência e sua falta de sentido, ou seja, a respeito da gratuidade e ilogicidade da existência, por si só desprovida de essência. Trata-se, portanto, da saga de um personagem conturbado e por vezes beirando a loucura, tal é a nudez existencial a que ele se expõe.

Mecanismos de busca essencial

Como dito, para Antoine Roquentin a existência é gratuita e ilógica e essa constatação por cada um de nós é algo terrível e fora de aceitabilidade. Decorre dessa falta de essência verdadeira uma busca de cada ser humano por sua essência artificial e iludida, havendo, para esse fim, uma série de mecanismos que tornam a existência mais suportável.

Um desses mecanismos próprios de cada um é o que ele chama de “captura do tempo”. Trata-se de uma organização memorial para tornar pequenos fatos, simples existências, marcos de um sentimento aventureiro, fazendo desse “grande” fato um polarizador atrativo dos fatos precedentes, como se esses tivessem levado ao grande fim. Dessa forma, organiza-se a memória humana a partir de fins, na ordem inversa. Esse mecanismo é apontado por Roquentin como uma poderosa instrumentação da mentira, a qual ele mesmo usou sem se dar conta, num ato involuntário de sua própria condição de homem.

Outro mecanismo elucidado pelo protagonista é o mundo do conhecimento e das ciências, criado pelas “grandes mentes” ainda presas em sua busca essencial. Esse mundo, que trata da origem das espécies, da conservação da energia no universo e chega a conferir uma essência “preguiçosa” até às janelas, “com seu índice de refração”, é ilusório e torna o ser humano um conhecedor de seu mundo, um dominador de si mesmo e dos outros, num processo de profunda ilusão. Fazendo uma analogia à alegoria da caverna, de Platão, o homem imagina-se conhecedor de todo um universo, enquanto, na verdade, busca conhecer minuciosamente cada parte (por menor que seja) de sua caverna, sem jamais vislumbrar seu exterior. É mais um engano, sadio para a manutenção da existência.

Um outro mecanismo apontado é o de ordenamento das glórias passadistas pela burguesia acrítica e inábil para a contestação meditativa. Assim, glórias de outras gerações, baseadas no capital e no valor epidérmico do mundo, são relembradas de forma a conferir uma essência, uma lógica, à existência dos burgueses do presente. Esse mecanismo detestável a Roquentin lhe rouba críticas muito contundentes, chamando de “salafrários” a todos os burgueses de Bouville, constituintes desse espécime humano alienado.

Dialogando com Descartes

Da célebre frase “Penso, logo existo”, Sartre, pela voz de Antoine Roquentin, faz um aprofundamento filosófico bem à maneira do Existencialismo, do qual Sartre é figura proeminente. Assim, para o protagonista, a consciência da existência, o sentir-se existir, advém do fato do pensamento, ou seja, à medida que se pensa, sente-se existir. Essa consciência é algo horrível para Roquentin e torna-se ainda pior quando ele constata que a única forma para fugir à existência é fugir ao pensamento. Mas nos perguntamos: como fugir ao pensamento se a necessidade de fuga já é um pensamento, que, como qualquer outro, nos reconduz à existência? Estamos presos, portanto, à existência, pois o caminho do pensamento e a chegada ao sentimento de existir são indesvencilháveis. Eis aí uma bela explicação à referida “náusea”, que intitula a obra, pois quem suportaria estar perfeitamente cônscio de sua prisão sem, ao menos, sentir-se “nauseado”?

Humanismo x Existencialismo

Uma das únicas personagens com quem Antoine Roquentin se relaciona no livro é o Autodidata, um humanista ferrenho que aprendeu grande parte de seu vário conhecimento nos livros da biblioteca municipal, onde trabalha. De orientação filosófica bastante adversa à de Roquentin, ele representa uma personificação do Humanismo. Resulta dos encontros dos dois na biblioteca uma série de discussões de alta profundidade intelectual, num gládio de alto nível entre as duas posturas – a do Humanismo (representada pelo Autodidata, credor das capacidades humanas diferenciais) e a do Existencialismo (representada por Roquentin, niilista, misantrópica e repleta de meditações pessimistas). Após discussões severas, o protagonista Roquentin chega, entretanto, à conclusão de que não vale mais a pena discutir, pois a mente do Autodidata definitivamente não está preparada nem disposta a ouvir seus intricados conceitos, os quais seriam a perdição absoluta de qualquer humanista. Um episódio bastante interessante a ser citado e que ocorre durante um dos encontros dos dois na biblioteca municipal é a morte de uma mosca, esmagada por Roquentin em frente ao Autodidata. Ignorando os pedidos do bibliotecário, Roquentin esmaga a mosca e declara consternado: “Simplesmente libertei-a de sua existência, era um favor a prestar a ela!”. É, sem dúvida, um episódio que deixa bem clara a melancolia advinda do existencialismo sartriano.

Música e Existencialismo

Logo no início da obra, Roquentin é bruscamente retirado de sua incessante náusea por uma composição jazzística de nome “Some of These Days”. A princípio, essa correlação entre alívio e música é bastante misteriosa para o protagonista, mas, aos poucos, ele acaba por entender sua razão. Depois, analisando a atitude daqueles que ele chama de “imbecis”, ou seja, aqueles que vão às salas de concertos buscando o esquecimento dos problemas ou aqueles que buscam superar suas crises com os “Prelúdios de Chopin”, Roquentin conclui que essas pessoas tentam se deixar tocar pela música, como se essa fosse capaz de penetrar os poros do corpo e os vazios da mente, provocando uma mudança de sensações. Na verdade, isso pode ser apontado como mais um mecanismo de esquiva da existência penosa e intratável, de forma que, ao invés de sofrer pura e simplesmente, cada ser humano busca um sofrimento ritmado, melódico, ou como o próprio Roquentin infere: “É preciso sofrer em compasso”. Ele vê-se, portanto, inserido nesse contexto de humanidade, tendo sofrido do mesmo engano que qualquer outro ser humano sofre, ao deixar-se invadir pela música tantas vezes citada “Some of These Days”.

A verdadeira existência

Ao final da obra, após ter reencontrado sua mulher Anny, pela qual ainda pensava nutrir fortes sentimentos, Antoine Roquentin descobre que já não havia entre eles mais nada, exceto a simples repugnância entre quaisquer duas existências, o que o abala extremamente e o leva e abandonar Bouville definitivamente. Antes de partir, entretanto, ele termina por fazer suas reflexões mais escaldantes de toda a obra. Usando de sua ampla visão e conhecimentos, ele divaga sobre o que é a existência definitiva e as relações entre as existências simplórias que encontramos por toda parte, sempre à espreita.

Para ele, por exemplo, a idéia da existência de uma árvore passa a ser gratuita e absurda como qualquer outra existência e o absurdo reside no próprio fato de se existir, isto é, torna-se um absurdo à medida que se existe, pois a existência é desprovida de uma lógica que a fundamente. Já no campo da matemática, uma circunferência encontra em si mesma uma lógica definida e clara – o giro completo de um segmento de reta lhe confere seu fundamento. Logo, o que existe é absurdo exatamente pelo fato de existir e deixa-se o absurdo à medida que se deixa a existência. Também o tempo é visto de uma forma intrigante, sendo nada mais nada menos que a nossa percepção sensitiva da mudança entre duas existências. O tempo, pouco conceituável fisicamente, torna-se filosoficamente algo de simplicidade interessante – entre duas existências e uma observação externa, configura-se a noção de tempo.

Para selar o pessimismo que é detonado a cada página, Roquentin diz ainda que, algum dia, ele vai esbarrar nas ruas com homens cujas línguas estejam transformadas em lacraias e suas feições completamente animalizadas, pois, em sua visão, a igualdade de todas as existências poderia tornar os homens cada vez mais “existentes”, simplesmente “existentes”, como as próprias lacraias o são. O marquês de Rollebon, origem de sua vinda a Bouville, tornara-se, para ele, uma simples fuga de si mesmo, um homem buscando abandonar sua existência e mergulhar na de outro, numa tentativa naturalmente frustrada. Uma das últimas coisas que ele faz em Bouville, antes de tomar seu trem, é sentar-se num banco e observar as existências que o rodeiam, seja a de um lago, a de uma árvore ou a de cada pessoa que ele observa.

Devemos ter em vista, ainda, que “A Náusea” é uma obra que cresceu numa mente inquieta e repleta de conceitos complicadíssimos e, até certo ponto, chocantes – a mente de Sartre. Cresceu também num solo fértil para tais contestações existenciais – um palco beligerante que encaminhava a Segunda Guerra Mundial (iniciada em 1939, um ano após a publicação da obra). Inegavelmente, a obra traz conceitos revolucionários e dissonantes de qualquer forma filosófica precedente, sendo amada por uns e renegada por outros, sem, todavia, perder sua importância no cenário da filosofia do século XX.

Sobre o autor: Marcelo Sobrinho Mendonça, crítico, interessado em expôr uma visão do cotidiano. Publica artigos sobre literatura e filosofia.

Fonte: www.mundodosfilosofos.com.br

domingo, 31 de agosto de 2008

QUEM TEM CORAGEM?


Fazer psicologia clínica não é tarefa simples.
Os medrosos desistem, pois os caminhos da clínica atravessam despenhadeiros, pontes estreitas e fendas profundas. O vento pode soprar muito forte e é preciso firmeza para não desequilibrar. A distração pode favorecer um passo falso: neste caso o risco da queda é imenso.
Caminhar por estes caminhos exige muito mais do que teorias e técnicas. É preciso ter capacidade de amar o pobre, o velho, o louco, o deprimido, o diferente. É preciso ter coragem de ajudar o outro a transpor o mundo da obscuridade para o mundo da claridade.
Se assim não for, não se arrisque nesta estrada.

REFUNDAÇÃO DA PESSOA

"A relação analítica (…) é uma relação temporária, mas desalienante e maturativa, de ajuda e incitamento à libertação de presilhas intersubjectivas – e “desimpedimento do Eu”, na expressão de Edward Bibring – e ao renascimento da esperança.
No limite da análise pura, o analista é apenas um catalisador da reacção espontânea de desmantelamento do modus patológico e patogénico da relação sócio-afectiva, tratamento/reciclagem de lixos e resíduos tóxicos e de retoma do crescimento e expansão da mente.
Deste modo, na cura ideal o que se passa é uma auto-análise assistida; mas que nem por isso deixa de ser, quando é bem feita, uma verdadeira refundação da pessoa e do seu relacionamento consigo própria e com o mundo".

António Coimbra de Matos

RESENHA DE LIVRO



SAFRA, G. Hermenêutica na situação clínica: o desvelar da singularidade pelo idioma pessoal. São Paulo. Ed. Sobornost, 2006.

Safra inicia seu livro refletindo sobre a necessidade de uma revisão da prática clínica devido à atenção que deve ser dada ao ethos e a própria condição humana, evitando uma abordagem do analisando que o leve a um adoecimento ainda maior.
Durante o texto também fica claro que enquanto a representação e o discurso estão vinculados ao pensamento lógico, os símbolos apresentativos estão dirigidos à sensibilidade e são importantes pela sua composição orgânica; e é por meio do símbolo representacional que o analista compreende o analisando e pelo registro icônico, pode-se vislumbrar a maneira como as questões ontológicas da existência aparecem na vida do analisando.
Ele também ressalta que os sofrimentos atuais não são os mesmos de anos atrás, pois o homem mudou e atualmente é possível descrever três modos de ser do homem contemporâneo: bidimensional, tridimensional e abismal.
O que se mantém no caráter humano independentemente de sua época é sua finitude que o coloca entre dois mistérios: a Arché e o Telos e em qualquer gesto humano essa condição reaparece, sendo o homem aquele que pode iniciar e também por fim.
Outra característica humana é ser criativo, dar sentido; e criar um sentido significa abrir a possibilidade de um destino. Por não estar biologicamente, nem socialmente determinado o homem pode desvelar sentidos surpreendentes a partir do lugar em que se encontra. Quando essa possibilidade de destinar-se é perdida ocorre o adoecimento, pois é de suma importância que cada indivíduo crie um sentido para o seu caminhar, tenha um horizonte e um futuro com sentido pessoal, para que alcance a esperança. Enquanto há esperança, há sonho de um futuro, há uma busca de realização no horizonte existencial sempre em aberto que só se fecha com a morte, pois é só neste momento que a profundidade da vida de alguém se revela.
E durante esse caminhar hão de se encontrar com o sofrimento, aquele que informa a pessoa sobre si mesma e sobre as questões fundamentais da existência. Dentre essas questões está a importância de que cada um saiba qual o seu lugar em sua história, pois só assim é possível que ocorra o diálogo e o analista dentre tantas funções também tem está de ser o Outro que reconhece o lugar do analisando em sua história.
Este olhar do Outro é importante porque só ele é capaz de oferecer a integridade e totalidade do que é olhado, pois aquele que olha a si mesmo tem um olhar experiêncial.
O psicanalista também ressalta que o ser humano tem como inerente a si, conceber um ente eterno, ou seja, criar uma concepção do divino, sem passado e nem futuro, que irá constituir o sonho do fim da vida e o modo como se concebe o sentido último da existência, porém essa concepção que a pessoa traz do divino em seu mundo psíquico não é a sua fé doutrinaria e sim o que a fará viver não só para o agora, mas para um sentido que a transcende e neste momento a espiritualidade se constitui e a morte é acolhida, pois o gesto passa a ter sentido e o tem porque está posto para além da existência pessoal. Já a religião, que é ôntica, nasce da espiritualidade e se mostra ambígua, visto que pode favorecer ou se tornar um obstáculo para o desenvolvimento da espiritualidade, esse desenvolvimento se faz importante à medida que a espiritualidade dá à pessoa a possibilidade de reflexão.
Na clínica, Safra deixa clara a necessidade de compreender o encontro de dois movimentos, o que vem do passado (quando o analisando se apropria da sua questão originária) e o que se direciona para o futuro (quando o analisando se apropria dos princípios que regem o seu sonho utópico, acessando o sentido último de sua existência), para então entendermos um determinado momento da vida do analisando. É um momento porque tudo é fluido e assim sendo o modo de ser de uma pessoa é sempre um movimento cujo sentido excede a sua intenção e cada evento inaugura novas possibilidades e novos posicionamentos frente ao originário e frente ao sonho do futuro.
Outro aspecto importante da clínica ressaltado por Safra é que o mundo criado pela comunicação do analisando afeta o analista por meio de registros afetivos, empáticos, estéticos e discursivos; e para que a singularidade do analisando seja acolhida é necessário que se compreenda a intencionalidade da comunicação, a comunicação significativa, a coerência do sentido, o fenômeno da conclusibilidade e a composição da sessão.
Sendo assim é preciso estar atento ao que é dito pelo analisando e à composição que ele utilizou para veicular o que disse e quando o trabalho da sessão aconteceu, ela termina com a morte simbólica do analisando e do analista; e para compreender uma sessão pode-se utilizar o conteúdo temático da sessão, as imagens da sessão (que pode ser tanto em dimensão metafórica, quanto icônica), o estilo estético, a composição da fala ou o reconhecimento do fenômeno transferencial.
Em resumo, ao mesmo tempo em que é necessário que o analista esteja em uma posição reflexiva, também é preciso que ele compreenda o analisando utilizando-se de sua sensibilidade para tal, de modo que este perceba em seu corpo sinais de compreensão do que foi comunicado.
O psicanalista encerra esse livro lembrando a importância de se preservar a noção de alma que é fonte de toda ação humana motora ou psíquica e a importância de se estar com o analisando e se identificar com a morada em que o mesmo se encontra.
Concluindo, esse livro traz aos seus leitores uma visão atualizada do sofrimento psíquico encontrado na clinica psicológica da contemporaneidade e apesar de não ignorar as semelhanças do homem de hoje com o do passado, alerta seus leitores para os novos sofrimentos e formas de sofrer que são constantemente influenciados pelo contexto, pois o homem é um ser histórico, e daí vem a necessidade de uma constante atualização de conhecimentos para aqueles que pretendem de fato compreender e auxiliar aqueles que sofrem.
(Talia Armani Delalibera)

O QUE SERÁ ?

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
O que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
O que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo.

Já faz algum tempo que eu estou pensando sobre o que escrever. Num dias desses a professora comentou que eu deveria escrever na primeira pessoa, e que gostaria que fizéssemos uma analise de um filme, de um livro ou de um poema. Então pensei, se tem que ser na primeira pessoa então porque não falar de mim mesma? Resolvi, vou falar de mim, de alguma coisa que me tocou durante essa disciplina, utilizando um desses meios sugeridos. Escolhi a música “O que será? (À flor da pele)” de Chico Buarque.
Eu já conhecia e gostava muito da musica “O que será? (À flor da pele)”, mas ela faz pouco tempo que ela começou a fazer sentido na minha vida. Estou vivenciando momentos especiais. Os paradoxos da vida humana, fim de curso, hora de fazer algumas escolhas, cobranças de vários lados, hora de estabelecer prioridades, amadurecer, aliar emocional e racional, vontade de voltar para casa dos pais e ao mesmo tempo vontade de ser independente. É, não é fácil. Então, no meio dessa crise, em uma tarde de sábado, escutei essa musica em uma palestra, e comecei a refletir. Percebi que ela descrevia muito bem o momento pelo qual estou passando e o motivo que me faz apaixonar cada vez mais pela Psicologia. No entanto, após escutarmos a musica, a leitura que foi feita era totalmente contrária a que eu fazia em meus pensamentos. A palestrante dizia que o que a motivou a fazer Psicologia era encontrar a resposta para toda aquela angustia demonstrada na musica, e que essa resposta é possível: achar a receita, achar as palavras, achar o limite, controlar. No mesmo momento eu pensei: “não pode ser, a magia do ser humano está justamente nisso, no que não tem sentido, no que não pode ser traduzido em palavras e muito menos explicado. Eu busquei a Psicologia por isso, e se descobrir todos os sentidos da vida ela perde a graça.”
E todo esse meu pensamento foi identificado nessa disciplina, na posição fenomenológica. Descobri que é possível diminuir a angustia, tratar os “problemas psicológicos” de uma pessoa sem ter que explicar tudo. Assumir que em vários momentos vão surgir sentimentos inefáveis, e a melhor saída é apenas senti-los, nunca tentar cessa-los. Dessa forma, talvez possa encontrar um motivo, uma causa, um porquê.
Por isso, uma vez trouxe essa musica para apresentar para a turma. Achei que ela se encaixava perfeitamente nos temas que discutimos durante as aulas, e tinha a necessidade de compartilhar com outras pessoas a visão que tinha dela.
Aqui entra também outro aspecto discutido nas aulas, a forma com que cada pessoa enxerga a realidade depende de suas perspectivas. Respeito o ponto de vista da palestrante, e acho até legal ela ter pontos de vista diferente do meu (mais uma vez a magia do ser humano), pois isso permite a reflexão, a discussão, e consequentemente um aprendizado, um crescimento, e acho que a arte foi feita para isso mesmo, tocar cada pessoa de uma forma diferente, ser objetivo de questionamentos e reflexões. Então, vou falar um pouquinho da musica, sobre as minhas percepções e sentimentos em relação a ela.
Ao ouvi-la, não sinto angústia na voz da pessoa que canta. Sinto um encantamento, uma surpresa apaixonante em descobrir que algo pode despertar tal sentimento, tão singular, tão profundo, que nem pode ser traduzido em palavras. Encantamento em perceber que se é capaz de sentir algo que vai contra todas as lógicas da razão, que mexe com todo o corpo, com todos os sentidos. Me dá a impressão que tudo isso o faz sentir vivo, o motiva, dá prazer, é a essência da vida.
Bom, acho que tudo isso é o que sinto quando ouço a música e me identifico com tais sentimentos. Diante de tantos paradoxos naturais ao ser humano, surgem coisas que não precisamos explicar, encontrar receitas, motivos, controlar. Devemos apenas sentir. Sentir lá no fundo do peito, sentir a pele corar, por todo o corpo, tremores, ardores, aflição, ser nunca saciado, diminuído, sem sentir vergonha de sentir, e o melhor, ter certeza de que nem todos os santos, nem toda alquimia conseguir acabar com tudo isso. Isso para mim se chama paixão, e temos que ter paixão pela vida. Sentir frio na barriga no momento da espera, ser sincero, se deixar descontrolar e vir a tona todos os sentimentos, pela pele, pelos olhos, deixar que os outros vejam isso, nunca deixar-se saciar, a busca pelo conhecimento nunca acaba, e ter certeza de que ninguém vai poder tirar-nos isso nunca.
Isso é a magia do ser humano, que me encanta a cada dia que entro em contato com pessoas diferentes, cada um com sua história. Às vezes estão com a paixão pela vida apagada, e aí entra a Psicologia. Despertar novamente a paixão pela vida e deixar as pessoas à vontade para que se permitam sentir, é o meu objetivo. Essa busca é a minha paixão, tanto como profissional psicóloga, quanto pessoa.
(Larissa Molina da Costa )

REFLEXÕES DE UMA QUASE FORMANDA

Eu, Jaqueline, estou sentada na frente do computador pensando. Pensando em um possível tema a escrever, e tantas idéias passam pela minha cabeça, mas elas logo deixam de permear os meus pensamentos. E então eu penso, que tarefa complicada essa de escrever um artigo, depois de tanto tempo na faculdade apenas reescrevendo as idéias dos outros, tenho a oportunidade de escrever as minhas próprias idéias, mas onde elas estão? Acredito que talvez elas estejam esquecidas no meio de tantos fichamentos e relatórios que agora me parecem sem sentido.

E assim, paro apenas por alguns instantes para pensar, e luto para não ser atropelada pelos meus próprios pensamentos e minhas cobranças, a que na verdade é a minha necessidade de sempre achar que tenho que produzir algo, mas nunca pensar no que eu estou produzindo. Sobre a correria do dia-a-dia Cortela (2006) acredita que:

“Na correria do dia-a-dia, o urgente não vem deixando tempo para o importante! (...) Essa demora em pensar mais, esse retardamento da reflexão como uma atitude continuada e deliberada, vem produzindo um fenômeno quase coletivo: mais e mais pessoas querendo desistir, largar tudo, com vontade imensa de sumir, na ânsia de mudar de vida, transformar-se, livrando-se das pequenas situações que torturam, amarguram, esvaem” (p. 59-60).

E nessa luta com os meus pensamentos, começo a refletir para que lado eu estou “sendo levada” na minha formação, penso na total incerteza que me aguarda nos próximos meses, talvez até anos.

Quando eu digo “sendo levada” isso tem um significado atual na minha reflexão, o de que eu sempre fiz as tarefas que me eram atribuídas, mas nunca produzi algo meu, com a minha cara, com o meu jeito e principalmente com os meus pensamentos, talvez até os meus pensamentos agora sejam reprodução de alguma grande obra, de algum grande autor. Porém desistir, não permeia os meus pensamentos, talvez porque tenha continuado meus pensamentos enquanto fazia as minhas tarefas. E tudo o que eu fazia era representado por um sonho, o sonho inicial de me formar, depois de ser psicóloga e agora de fazer diferente. Diferente, devido a singularidade e subjetividade de cada um.

Hoje mais do que em qualquer outro momento da minha vida penso sobre o meu futuro, que futuro “diferente” eu vou ser. Estou pra sair da faculdade com uma única certeza, de que ainda vou ter que estudar muito. Esse estudo é representação de responsabilidade com aquilo que irei fazer, um compromisso com as pessoas que pretendo ajudar. Compromisso comigo mesmo de consolidar conceitos, ou até mesmo reformulá-los totalmente. E esse “futuro diferente” será construído a partir de todas as minhas experiências conscientes.
Com tanto sentimentos misturados penso na minha formação com tanta insegurança, e acredito que isso não seja uma sensação única, mas compartilhada com muitos que estão a se formar, de um não saber muita coisa, não estar muito preparada, mas a certeza de que a preparação para uma atuação e a sabedoria vem depois de quedas, de erros e acertos. Ontem mesmo li na contra capa de um livro na livraria, “viver é sofrer”.

“A sabedoria não se transmite, é preciso que a gente a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.” (CORTELLA, 2006, p. 119-120)

Bueno (1997) afirma que para a fenomenologia o método exige uma reflexão: uma retomada descritiva da própria vivência para a consciência atual, diferente do método do introspeccionismo que apenas a vivência constitui um saber da consciência.

Então, a fenomenologia é como as coisas aparecem na consciência, e o fenômeno é aquilo que aparece na consciência. Assim como temos uma postura fenomenológica descrevemos, reduzimos e interpretamos um fenômeno. Dessa maneira quem adota uma postura fenomenológica deixa em suspenso as suas idéias, opiniões, preconceitos para o outro se mostre quem é, e como ele é.

Bueno (1997) cita:

“Não existe o homem interior, o homem é no mundo”, e, a verdade, portanto, não se encontra num suposto homem interior, mas “é no mundo que ele se conhece” (Merleau-Ponty, 1954; citado em Lyotard, 1967, p. 58).

Depois de participar da mesa redonda na última aula da disciplina de prática clínica, e começo a pensar em que concepção de homem eu vou levar comigo a minha vida profissional? Será que o sofrimento, a doença é a maneira de se expressar no mundo?

Existem muitas outras reflexões que quero levar para a minha atuação profissional. E acredito que para ter o meu “futuro diferente” essas reflexões, muitas leituras que ainda quero fazer, escritas que penso em desenvolver vão fazer a diferença para mim.

Esse pequeno ensaio escrito por mim teve a humilde pretensão de descrever algumas angústias experimentadas nessa faze pré-formatura.

Referência Bibliográfica:

BUENO, José Lino Oliveira. Body, consciousness and psychology. Psicol. Reflex. Crit. , Porto Alegre, v. 10, n. 1, 1997 . Disponível em: . Acesso em: 22 Jan 2008. doi: 10.1590/S0102-79721997000100010

Cortella, M. S. Não nascemos prontos! Provocações Filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
(Jaqueline Bernal Campos Baggio)

FAVELAS: UM FUTURO DA PSICOLOGIA



Neste momento, estamos diante de uma ampliação do olhar psicológico. Podemos constatar nas atitudes que vêm sendo tomadas na Psicologia de modo geral. O CFP reforça a questão ao propor o Banco Social, levando o profissional ao contato com a realidade fora do consultório.
Ao mesmo tempo, proíbe a aplicação dos testes que não condizem com a realidade brasileira, propondo sua revisão a partir do nosso contexto e não a aplicação a partir da mera cópia de um resultado "importado".
Esta adequação do trabalho do psicólogo deve referir-se a todos os campos de atuação no qual ele tem se inserido: escolas, hospitais, comunidades, associações, instituições em geral e qualquer outro ambiente que traz em si uma especificidade que exige ao menos uma reflexão sobre como exercer a atividade.
Somada a estas colocações, uma notícia que circulou na mídia recentemente sobre a projeção feita pela ONU dizendo que, em 2030, um quarto da população mundial estará vivendo em favelas. Sendo, a América Latina hoje a terceira colocada no ranking de favelas de todo o mundo (precedida pela África em segundo lugar e Ásia em primeiro), deve chamar a atenção de todas as áreas da Psicologia brasileira, já que é no nosso país onde se concentra o maior número de favelas latinas.
Aproveitemos este momento em que estamos tomando um rumo de visão mais abrangente aos aspectos sociais e encaremos este âmbito como um sério ponto de reflexão: como será o Homem a ser estudado nesta nova e futura realidade?
A minha experiência em favela mostra a dificuldade em atuar com teorias que não partiram desta realidade, necessitando em caráter de urgência a tentativa de encurtar a distância abismal entre teoria e prática.
Grandes desafios mostram-se, sendo alguns superados e outros (ainda?) não.
Pude me ver frente a um terreno completamente desconhecido apesar de tantos estudos realizados na tentativa de conhecermos o ser humano.
Várias questões surgiram: como reagir diante de características tão destoantes do que estamos habituados a presenciar no dia-a-dia?
Como compreender as crianças tão espertas que, antes da adolescência, vão abandonando as escolas e se transformando em traficantes?
Como orientar tantas adolescentes que têm relações sexuais com vários parceiros e nunca mencionam o uso de preservativo?
O que fazer com uma mulher que, ao tentar o suicídio após o estupro de seu filho de oito anos, não é assistida por nenhum parente que poderia se comprometer em passar a noite juntamente a ela para tentar evitar uma nova tentativa?
Como proceder diante dos silenciosos assassinatos e suas conseqüências para toda a família da vítima, sendo que todos sabem quem é e convivem com o autor do crime?
Perguntas não faltam...
Menos ainda faltam situações de extrema miséria e crueza que tanto nos pesam e revoltam, colocando-nos em um sentimento de extrema inferioridade diante de tantos problemas dos mais variados estilos.
No entanto, também surgem situações contrárias a esta miséria que fazem um contraponto de tamanha estranheza e dissonância mas que não deixam de fazer parte da mesma harmonia. Está composta a Bossa-Nova do nosso futuro...
Vejo crianças brincando na rua, expressando uma liberdade invejável. Enquanto as meninas pulam corda, um senhor de idade já bastante avançada senta-se na calçada e conta em voz alta o número de voltas puladas pelas garotas numa relação que jamais presenciei em outro contexto.
Um garoto me conta da sua vida com uma pureza inigualável, sem a mínima influência da mídia ou dos modismos consumistas voltados para a sua idade.
Estas e outras situações me forçam a ver que uma vida simples e gratificante é possível apesar de todas as dificuldades envolvidas neste tipo de ambiente.
A notícia já citada incita a atenção e a pesquisa para o ambiente comunitário e tão peculiar da favela, pois, no futuro, inevitavelmente teremos contato com alguém que vive neste contexto, podendo vir a ser, inclusive, nossos parentes mais próximos.
A exploração deste campo é mais que uma curiosidade filosófica ou científica: é necessária!
Entre as ferramentas de pesquisa, deverão estar, em primeiro lugar, a sensibilidade do profissional, para que possa "captar" as peculiaridades e necessidades do seu ambiente de trabalho (que é um aspecto muito forte da fenomenologia).
Juntamente com a sensibilidade, um destaque para a flexibilidade do profissional, já que este deve estar aberto a pensar e repensar tanto as suas teorizações como a sua prática, que muitas vezes não poderão contar com referências bibliográficas nas quais se apoiarem diretamente.
O terceiro e último item que cito (não pretendo, porém, que sejam únicos e definitivos) é a reflexão ética que sem a menor sombra de dúvida se mostrará necessária. Diante de novas situações, surgirão novas questões que, mesmo com a já iniciada discussão sobre a revisão do Código de Ética Profissional dos psicólogos, podem não estar mencionadas em seu texto.
É preciso criar e recriar uma Psicologia genuinamente brasileira a todo momento. Uma Psicologia calcada em muita lucidez diante dos limites dos livros em relação à realidade que temos nas calçadas e ruas do nosso país.
André R. R. Torres
fonte:
http://www.psicoexistencial.com.br/web/detalhes.asp?cod_menu=108&cod_tbl_texto=1574

CLINICA CONTEMPORANEA



Este livro apresenta diferentes discussões acerca do sofrimento psíquico, rompendo com as categorias diagnósticas que tendem a promover a exclusão daqueles que acabam por ser classificados em algum transtorno.
O sofrimento psíquico é assim tomado como possibilidade do homem, o qual está sempre presente na existência, constituindo-se como modo de expressão próprio do ato de existir.
Esta obra é de fundamental importância para o Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro – IFEN, pois com ela inaugura-se uma nova etapa em nosso processo de expansão do conhecimento em fenomenologia e existencialismo, qual seja, a Editora IFEN.

Sumário:

Capítulo 1
Contribuições kierkegaardianas para a compreensão do adoecimento psíquico
Myriam Moreira Protasio
Capítulo 2
A questão do sujeito e do intimismo em uma perspectiva fenomenológico-hermenêutica
Roberto Novaes Sá e Joelson Tavares Rodrigues.
Capítulo 3
Os conflitos psíquicos na atualidade: compulsão ou hibris?
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
Capítulo 4
Amor e compulsão: relações afetivas na vivência do estágio estético.
Cristine Monteiro Mattar
Capítulo 5
Uso de drogas como modo de pronunciamento da angústia.
Ruth Escudero
Capítulo 6
Temor e enfrentamento como paradoxos de uma existência: Um estudo de caso numa perspectiva fenomenológico-existencial.
Elizabeth da Costa Ribeiro.
Capítulo 7
Compulsividade: marca de um tempo?
Joelson Tavares Rodrigues.
Capítulo 8
Crianças de Ninguém: roubo, abandono e exclusão no desenho infantil sob a ótica sartreana.
Eloísa Aguiar.