sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Solidão


(Paula Gabriela Laini Gonçalves Martins)

Solidão é lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cravada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão
Camélia ficou viúva, Joana se apaixonou
Maria tentou a morte, por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Quando vem a madrugada, meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola, contemplando a lua cheia

Apesar de tudo existe, uma fonte de água pura

Quem beber daquela água não terá mais amargura.


Muitas vezes sinto dificuldade de estar a só comigo mesma. Não consigo viver intensamente minha própria vida. Mas percebo isso acontecendo quando algum fato me faz sentir angústia ou medo da solidão, quando a desilusão chega para colocar barreiras entre a solidão e a independência pessoal, fazendo acreditar até mesmo que o brilho e o encantamento da vida se encontram no outro e não em mim mesma. E sei que esse fato é comum a muitas pessoas, que nós nos esquecemos em vários momentos dolorosos que a vida tem um encantamento, um brilho, algo de especial porque é nossa, apenas nossa. Cada um de nós pode ser uma pessoa especial para si mesmo.
E foi nessa música de Marisa Monte que encontrei as palavras que mais me fizeram refletir sobre o que realmente sinto diante dessa versão da solidão. Dessa versão de solidão!? É isso mesmo! Porque a solidão pode ser vivenciada de várias maneiras, dependendo das pessoas e dos momentos ou situações, dependendo dos fatos.
Mas voltando à musica, é nítida também a esperança traduzida pelas palavras “Apesar de tudo existe, uma fonte de água pura, Quem beber daquela água não terá mais amargura”, e que eu gostaria de expressar, apesar do pessimismo que essa visão de solidão traz.
Enfim, a solidão é própria de cada ser humano e de cada momento, mas é sempre vivida e sentida a flor da pele, é intensa e escancarada, mas não para os outros e sim para nós mesmos.

A minha solidão é sempre intensa e escancarada para mim mesma.

Meu Deus, me dê a coragem
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Dê-me a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar.


Solidão – (Clarice Lispector)
Minha força está na solidão
Não tenho medo nem das chuvas tempestivas,
nem das grandes ventanias soltas,
pois eu também sou o escuro da noite.

Existem momentos em que sinto a solidão incorporada a mim mesma e neles a solução não é encontrar uma pessoa ou uma atividade para preencher o vazio existencial, porque não há vazio, meu ser está preenchido pela solidão, e dessa maneira não a encaro como negativa. A solução não é se concentrar em algo para não se sentir sozinho, também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão. A solução é aceitar que se está só, simplesmente isso. E sabendo-se só, viver a própria vida, respeitar a própria vontade, expressar os próprios sentimentos, buscar a realização dos próprios desejos. Quando faço isso, a vida se enche de significado, de um brilho especial, para mim.
Não preciso fingir que a solidão não existe ou procurar a companhia dos outros para que ela realmente não exista, porque mesmo junto com os outros, posso ser solitária. A solidão não é externa a nós, é interna; eu sinto, eu penso solitariamente, eu existo solitária, eu sou solitária. Esses momentos em que me sinto fazendo companhia a mim mesma, conversando e reagindo comigo mesma, são necessários, belos e satisfatórios. Sinto que o que me ocorre de melhor é quando estou só e infiltrada em minha própria solidão, não por achar que somente o ‘ser eu’ me basta, mas por ter a oportunidade assim de ouvir e saber dos desejos que vêm do fundo da alma. É essa a realização pessoal, a prova de que a tendência a estar só remete à minha independência e liberdade como ser humano, de tal forma que isso se torna essencial e incutido em meu próprio ser.
A solidão encarada por esse ângulo torna-se completamente positiva e afirmativa da existência, ela assim é parte integrante dos grandes momentos realmente íntimos de uma vida, é sentida como uma mistura de orgulho e felicidade por mostrar-me o poder e a importância que a minha essência tem para mim mesma.
Nas palavras de Clarisse Lispector, encontrei uma forma clara de expressar minha maneira individual pela qual encaro a solidão em certas situações, a maioria das vezes por sinal. Quando ela diz “eu também sou o escuro da noite”, é como se eu quisesse roubar essa expressão para mim, porque é assim que me sinto também.
Quando digo que sinto a solidão como uma mistura de orgulho e felicidade, é exatamente o que Clarice Lispector mostra em “faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar”; pois se estou enfrentando a solidão, aquela que se incorpora a mim, estou tendo a coragem de me ‘suportar’ da maneira mais sutil possível, e isso traz orgulho ao ser, é quase um estado de êxtase.

Quando a solidão não é sofrida e sim natural, traz consigo a maneira suprema de mostrar a mim mesma quem realmente sou e o que realmente tenho. Quando a solidão é sofrida, traz um aprendizado doloroso, a descoberta das fraquezas, a insegurança da carência e o medo de conhecer-me.

E é então com o trecho de uma entrevista de Chico Buarque que quero finalizar o que me propus a dizer sobre solidão, porque foi nele que realmente consegui encontrar meus pensamentos praticamente traduzidos. Porque a real solidão é nossa, não vem dos outros ou das circunstâncias, nasce e existe em nós, em mim.


“Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo…

Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar…

Isto é saudade!

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos… Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente…

Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado…

Isto é circunstância!

Solidão é muito mais do que isto…

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma”
(Chico Buarque)

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o texto!
Acredito que o nosso lugar é dentro de nós mesmos onde podemos conhecer o que nos preenche!
John Lennon costumava dizer que já havia ido a todos os lugares (experimentado de tudo)mas só se encontrou dentro dele mesmo!
A solidão está dentro de cada ser humano, é preciso aceitar e encara-la positivamente!
Obrigada!