sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Nossa cegueira

( DANIELLE MUNDIM DE OLIVEIRA)
“Ensaio sobre a cegueira” é uma obra fascinante escrita pelo autor português José Saramago. Resumidamente, descreveremos sobre o romance escrito por ele. Em uma tranqüila cidade, quando tudo parecia transcorrer bem, de repente, um homem fica cego dentro de seu próprio carro diante de um semáforo. A partir disto, essa cegueira súbita ou “treva branca” começou a espalhar pela cidade. Alertado por um médico oftalmologista, as autoridades sanitárias do governo tomaram providencias para segregarem os sujeitos contaminados em um antigo manicômio desativado sob a custódia de soldados do exército. Cerceados naquele lugar os cegos ficaram reduzidos a condições subumanas de sobrevivência, em meio a péssimas condições de higiene, pessoas mortas e principalmente, quando um grupo de cegos começou a estocar os alimentos destinados aos internos e passaram a comercializá-los na base de troca. Logo, o homem percebe as angustias que o afligem limitadas às necessidades de sobrevivência. A partir de então, a “mulher do médico”, única personagem que não tinha perdido a visão, tomou a iniciativa de matar o líder desse grupo e posteriormente, ateou fogo aos demais membros desse bando provocando a morte deles e um incêndio no prédio. Quando a “mulher do médico” saiu para pedir ajuda aos soldados para apagar o fogo, percebeu que não mais estavam sobre a vigilância desses e mesmo com muito medo avisou aos outros cegos que estavam livres. Então, os cegos conquistaram a liberdade dessas condições degradantes as que estavam submetidos. Ao retornarem a cidade, a “mulher do médico” percebeu que o mundo externo não estava muito diferente do que eles viviam. Havia lixo espalhado por toda parte, pessoas vagando pelas ruas, pessoas mortas, pessoas habitando casas que não eram suas, enfim, o que se via era o mesmo caos vivenciados por eles no local que estavam confinados. Após passarem em algumas casas dos indivíduos que compunham a caravana que era guiada pela “mulher do médico”, esses permaneceram no apartamento do casal até que um dia todos voltaram a enxergar. Podemos dizer que a partir desse instante o grupo recuperou a lucidez, resgatou-se novamente o afeto e o mais importante de tudo é que reconquistaram a condição de seres humanos, uma vez que, estavam quase transformados em animais. O que podemos constatar é que os seres humanos precisaram chegar a essa situação degradante para conhecerem a sua essência e refletirem sobre qual seria seu papel no mundo e na sua própria existência. Saramago instiga o leitor acerca da diferença sutil entre as maneiras de olhar e de ver. O olhar com o significado de percepção visual, uma decorrência física do sentido humano da visão. O ver como uma probabilidade de observação crítica através da apreciação daquilo que nos aparece advindo do exterior.
A maneira como o autor descreve os cegos nos permite perceber uma destituição de identidade, uma vez que, as pessoas em momento algum possuíam nomes próprios que as identificassem. O reconhecimento de cada um deles se dava da seguinte maneira, o “rapazinho estrábico”, a “rapariga de óculos escuros”, o “primeiro cego”, a “mulher do primeiro cego”, o médico, a “mulher do médico”, a “secretária do médico”, muito embora fosse termos generalistas continham algo particular de cada um, ou seja, algo singular de cada um deles. Mediante o que foi exposto acima percebemos que essa supressão de identidade traz em si a necessidade do homem de conhecer a si e ao outro com quem ele se relaciona. A possibilidade de descobrirem quem realmente são, é mais angustiante do que a cegueira em si porque a pessoa terá que reconhecer a sua condição de (des) humana. Mas, também não podemos ser ingênuos a ponto de pensarmos que iremos nos conhecer totalmente, uma vez que o homem vela e se revela o tempo todo. Nós só teremos a compreensão daquilo que nos é possível entender. Sob o enfoque do existencialismo, em que o homem é um eterno vir-a-ser, pois está sempre mudando, fluindo e transformando é que compreendemos por meio dessa desconstrução e construção que ele aprende a se responsabilizar pela sua própria existência. No local em que os cegos estavam sectarizados não era muito diferente porque além de cada indivíduo ter a responsabilidade sobre a própria trajetória existencial também havia essa preocupação com o outro, uma vez que, conviver em comunidade o peso da responsabilidade é maior do que viver sozinho.
Enfim, deixo a minha sugestão de leitura dessa obra magnífica para que o leitor sinta-se convidado a refletir sobre o seu papel e suas responsabilidades no mundo e na própria existência, bem como para voltar-se mais para si mesmo.

Bibliografia
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo, Cia. das Letras, 1995.

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