segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Picoterapia Existencial

Introdução

A psicoterapia fenomenológica existencial (PFE), como o próprio nome indica, busca os seus princípios fundamentais nas filosofias fenomenológica e existencial, adaptando-os para a prática psicoterapeutica. De forma reduzida, a componente fenomenológica centra-se nas vivências e nos dados imediatos da consciência, enquanto que a componente existencial investiga sobre a qualidade existencial e as preocupações básicas do Homem, na sua confrontação dialética com o mundo.

Um princípio filosófico chave da PFE é a ênfase colocada na unicidade de cada ser humano, na forma como se relaciona, interpreta e constrói sentido no mundo. Contudo, é também entendido pela fenomenologia existencial que essas mesmas expressões e experiências únicas a cada indivíduo dimanam de um conjunto universal de características, a partir das quais um ser humano pode ser definido como tal. Existir é a forma de ser do ser humano, e cada humano é uma experiência desse existir.

O existir humano é atravessado por três princípios centrais: a inter-relação, a incerteza e a angústia existencial.

O princípio da inter-relação sustenta que todas as nossas reflexões, conhecimentos, percepções e experiências do mundo, dos outros e de nós próprios emergem de uma fundação relacional. Assim, nunca poderemos compreender o homem por si só, em isolamento, mas sempre num contexto inter-relacional de reciprocidade com todos os pontos em que o mundo pode tocar o homem. O Homem é um ser em perpétuo desenvolvimento existencial, reflexivo e experiencial e é na relação com o outro e o mundo, na inter-relação, que se encontra o motor desse desenvolvimento.

O segundo princípio é o da incerteza existencial. É conseqüência do princípio da inter-relação, pois se tudo surge através de uma matriz inter-relacional, é inevitável que se instale incerteza e incompletude em toda e qualquer uma das nossas reflexões, já que nunca se pode determinar autonomamente, com completa e final certeza, o que a outra parte (mundo ou outros) será e, ao mesmo tempo, o que será do próprio, visto que nunca se pode separar daquelas.

“Somos um ser incerto dentro de uma existência aberta de inter-relação” (Spinelli, 2007). O terceiro princípio é a ansiedade existencial. A filosofia fenomenológico-existencial (FE) argumenta que uma das características do ser humano é estar continuamente envolvido no processo de atribuir sentidos e significados, impondo-os a coisas e eventos que experiência relacionalmente. Contudo, os sentidos construídos não deixam de ser um processo incompleto e parcialmente distorcido, uma vez questão sujeitos à ação dos princípios da inter-relação e incerteza existenciais, podendo, a qualquer altura, perder o seu valor. A experiência vivida do mundo impõe-nos sempre a abertura a múltiplas alternativas, o que implica que, mais cedo ou mais tarde, possamos vir a sofrer de alguma forma. A tensão gerada por esta condição expressa-se sob a forma de ansiedade existencial e permeabiliza todas as experiências reflexivas de relação, lançando sobre nós o dilema de como viver com ela. A contribuição de inúmeros filósofos clássicos e contemporâneos de orientação FE não pode ser reduzida a três princípios, mas estes são fundamentais para a PFE, que dispõe assim de um campo fértil para pensar a existência do Homem, um ser que forma uma totalidade essencial com o mundo, sujeito a uma existência governada pela inter-relação que ao mesmo tempo o anula e concretiza, pela necessidade de sentido que o instiga a uma incessante e preocupada procura de respostas e significados, pela liberdade que invoca a autonomia, responsabilidade e autenticidade nas escolhas e pela consciência da morte, que deve inspirar à resolução e implicação com projetos de vida.

Psicoterapia Existencial

O termo psicoterapia existencial não se refere ao tratamento psicológico de uma pessoa ou daquilo que ela é, mas a estar presente, de uma forma disponível e cuidada, quando da reflexão sobre a existência de uma pessoa. Não há intenção de tratar, aconselhar, ensinar ou mudar a pessoa, mas de encorajar o cliente a refletir e pensar profundamente a sua existência, assistindo a um processo de tomada de consciência e compreensão mais essencial e fiel de si mesmo, no seu próprio tempo e mundo, para que a manutenção ou remodelação de uma variedade de aspectos da sua forma de estar partam de um ser livre, autônomo e aberto para consigo mesmo, a sua existência e o seu mundo, sempre dentro do panorama daquilo que o tipo de ser, que o humano é, pode ser. O objetivo é, assim, revelar a existência da pessoa, tornando perceptíveis tanto os seus vícios e enganos, como os seus êxitos e realizações. Atender a inquietações a partir da própria experiência de vida da pessoa, e não de explicações causais, parece providenciar uma compreensão que torna o cliente menos alienado de si de uma forma mais válida e apropriada para com aquelas que são as suas preocupações reais e terrenas, num determinado momento da sua vida.

O psicoterapeuta FE deve, então, assistir o cliente na exploração de quaisquer arranjos de idéias rígidas e inflexíveis, no questionamento de cada uma das camadas de segurança com que a pessoa se revestiu para se defender das condições aparentemente adversas, mas próprias da sua existência, e possibilitar-lhe, se for possível e de sua vontade, a adoção de um si mais verdadeiro a si mesmo, em todo o seu potencial, explicitando como está na vida, como lá chegou e onde poderá querer encontrar-se no futuro.A relação terapêutica que se estabelece entre terapeuta e cliente é assim uma de um encontro humano à maneira humana, uma de descoberta, reciprocidade e sujeição mútua para aquilo que o futuro reserva. Uma em que não há um sujeito investigador e um objeto investigado, mas uma aliança que assenta na cooperação e numa atitude de abertura em que se respeita a relevância das questões levantadas e se mostra empenho em refletir sobre estas mais profundamente.
Nuno Ferrão
Fonte: http://www.nunoferrao.com/index.html

Referências Bibliográficas

Carvalho Teixeira, J. A. (1993). Introdução às abordagens fenomenológica e
existencial em psicopatologia (I): A psicopatologia fenomenológica. In Análise
Psicológica, 11(4), pp. 621-627.

Deurzen-Smith, E. (1997). Everyday Mysteries: Existential Dimensions of
Psychotherapy. London: Routledge.

Groth, M. (1996). Existential Therapy on Heideggerian Principles. In
Journal of the Society for Existential Analysis, 8.1, pp. 57-75.

Spinelli, E. (2007). Practising Existential Psychotherapy: The Relational
World. London: Sage Publications Ltd.

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